O fim do Provocador, o início da lenda


O Provocador morreu dormindo. Se livrou completamente da tragédia de morrer "com aquele negócio no nariz", num leito de hospital, respirando com dificuldades ou quem sabe morrendo-se aos poucos, ofegante, vai e volta, talvez com sofrimento, talvez numa completa debilidade. Não!! Foi como embarcar, confiante, num sonho. Os jornais noticiaram: - Desapareceu! Fechou as portas da existência de uma só vez. Virou de lado num "boa noite" e não acordou mais. Deixou seus fãs e espectadores sem a oportunidade da "coisa falsa do abraço", do adeus, da oração na porta do hospital, das lágrimas anunciadoras do fim, das correntes de boas vibrações nas redes sociais. Ignorou tudo isso. Foi-se. As luzes do teatro se apagaram. Acabou? A plateia deve se levantar para as palmas. Vários minutos. Horas. Dias. De pé! Mais palmas!

- O que é a vida? - disparava a pergunta final a todos seus entrevistados: intelectuais, donas de casa, políticos, artistas, moradores de rua, anônimos. Era fulminante. O que se responde a uma pergunta dessas? Como reduzir, presumir, resumir A VIDA em alguns segundos de televisão? Era perturbador. O entrevistado bem que tentava responder da maneira mais lírica possível. O olhar ficava procurando alguma distração. Tentava-se fugir, mas o silêncio do Provocador encorajava a resposta. Estufa-se o peito, escolhe-se as palavras e tá lá a resposta. Linda, cristalina, bem montada. Ficou perfeita.

O que é a vida? - Pergunta pela segunda vez o Provocador, como se todo aquele esforço do entrevistado em responder a pergunta anterior fosse descartável. E era mesmo. É possível responder a essa pergunta? Qual a verdade da vida? Que mortal tem essa resposta? O Provocador ria do esforço inútil do entrevistado.  Lhe oferecia o abraço falso, para diminuir a vergonha. Em décadas de programa ninguém se absteve de tentar responder o que é a vida. Todos falharam na resposta. Não há explicação para certas questões, somente a pretensão de possuir a verdade. O Provocador cumpriu sua missão. Seguiu idolatrando a dúvida.

Há décadas atrás, via pela primeira vez um programa de televisão estampar nomes de autores enquanto se falava deles. Era como se o Provocador falasse "desliga essa TV e vá ler, mas leia isso!". Com Provocações conheci Goethe, Rousseau, Gandhi, Cervantes, Marx, Freud, Stendhal, Pixinguinha, Zola, Dostoiévski, Bibi Ferreira, Kafka, entre outros que já conheci e outros tantos que ainda conhecerei.

- Qual o melhor autor que você descobriu e qual o melhor autor que você ainda não descobriu? O programa sempre deixava uma lista dos que ainda descobriremos. O caminho estava aberto, bastava percorrê-lo.

Obrigado Provocador! Obrigado por ter sido fundamental em minha vida intelectual. Obrigado por  me soterrar com toda essa avalanche cultural ainda na adolescência, e, por conta disso, tenha me dado a vantagem do tempo para encontrar as respostas.

Adeus mestre Antônio Abujamra!!