Quantos litros de tinta são necessários para definir uma personalidade? Quantos quilos de metal são necessários para destacar-se na multidão? A juventude que desce e sobe as ruas que desaguam na Paulista não nos fornece uma resposta. Nem as paredes pichadas em todos os cantos. Trazem mais perguntas. Como gibis ambulantes, as paredes e os jovens, vão ajudando a contar a história de uma cidade bela por sua tristeza.
Um museu a céu aberto, 24 horas, São Paulo traz embutido em suas ruas, espaços e cheiros a história do Brasil. E o Brasil que incomoda. O Brasil mutante, que busca, desesperadamente, por uma identidade. Nessa metrópole onde tudo é grandioso e longe, a dimensão humana fica perdida. Perdida em cada canto, em cada som, em cada rabisco, em cada beleza construída ou destruída pelo homem. A vida está lá. Gritando. Pulsante. Mas parece que diante de tantas vidas ao mesmo tempo no mesmo espaço, o valor vai se esvaindo. Tudo se torna mais um. Mais uma esquina, mais um bueiro, mais um muro, mais um prédio, mais uma menina tatuada.
No mesmo dia posso pisar em um bairro miserável pela manhã e na avenida mais rica da América do Sul à noite. A cidade oferece esses exercícios filosóficos. As brutais diferenças brasileiras estão todas coexistindo naquele lugar. Coexistindo. Convivendo não.
Fico apaixonado pelo mar de gente. Vejo rostos que talvez nunca mais vou encontrar. Passo instantes próximo de pessoas que ignoro completamente a existência e recebo o mesmo em troca. Observo atentamente a todas aquelas movimentações e entendo porque a arte é tão intrigada com esses espaços urbanos. Vou puxando da memória frases, refrões e relatos sobre esse lugar. Eles estavam certos. Caetano estava certo. Humberto Gessinger estava certo. Adoniran Barbosa estava certo. Talvez algo precise ser atualizado vinte anos depois na letra de "Sampa": a deselegância das meninas ainda persiste, mas há muito deixou de ser discreta.
Quando o ônibus entra na Bandeirantes no domingo à noite, de volta ao interior onde nasci e aprendi fazer perguntas ao mundo, olho rapidamente pra trás e vejo aquela capital iluminada desaparecendo no horizonte. Penso triste que talvez, no futuro, quando voltarmos a nos encontrar esteja tudo mudado. Nessa hora entendo que as cidades nada mais são do que espelhos das almas humanas. Reflexo concreto de nossa eterna inconstância.
Há 6 anos